Entrevista, antiga até, com o grande educador romeno Reuven Feuerstein!!!
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Quando convidado para o cargo de secretário de Educação da Bahia, Eraldo Tinoco já tinha um projeto ambicioso: aplicar a toda a rede pública o método de construção da inteligência do educador romeno Reuven Feuerstein, que conhecera por meio de uma reportagem publicada em ISTOÉ ("Deixe-me pensar", edição 1496, de junho de 1998). A máxima de que todas as pessoas, em todas as idades, podem aprender e a crença de que o cérebro é modificável difundidas pelo professor lhe pareceram a solução para melhorar os resultados escolares de um dos Estados mais ricos do Nordeste.
A Bahia deu um passo decisivo para isso. Na terça-feira 27, durante uma conferência para cerca de dois mil educadores em Salvador, Feuerstein assinou com a Fundação Luís Eduardo Magalhães um acordo para utilização e aplicação de seu método por dez anos. "Criaremos know-how e mudaremos toda a rede, resgatando o orgulho da escola pública", disse o secretário. Na segunda visita ao Brasil, Feuerstein, 80 anos, também mostrava entusiasmo. "É a primeira vez que um governo entende que a inteligência é um direito e assume o dever de proporcionar condições para desenvolvê-la", comemorou o ex-discípulo de Jean Piaget com a vivacidade de menino. Iniciado com crianças sobreviventes do Holocausto, seu método tem sido aplicado em mais de 40 países e se concentra na figura do mediador, aquele que enriquece a realidade imediata com novas informações e significados.
Em Salvador, Feuerstein falou a ISTOÉ:
ISTOÉ – Há outro projeto tão amplo quanto este da Bahia?
Reuven Feuerstein – Nos Estados Unidos talvez tenhamos duas mil classes, em Israel treinamos a cada ano 1.500 professores de vários países. Mas o interessante neste projeto não é o tamanho, e sim a orientação para a qualidade e a transformação do sistema educacional. Não se trata da iniciativa de uma escola ou de um grupo, mas de uma rede de ensino. É ambicioso, não na execução, mas na intenção. O processo é longo, mas vamos criar uma atmosfera escolar que dê a cada criança uma forma específica de desenvolvimento. Também haverá em Salvador um centro de treinamento do método.
ISTOÉ – No interior, temos professores com pouca formação. Como aparelhar esses profissionais?
Feuerstein – Quando comecei a preparar o programa, alguns supervisores queriam escolher para mim os melhores professores. Eu disse: "Não, muito obrigado. Mandem-me os professores que mais precisam de mim." Com treinamento apropriado, professores sem especialização ou formação universitária podem ajudar. Temos que dar a eles poder. Isso exige investimento, mas o retorno é grande. Trabalhamos com professores da África do Sul que nem sequer terminaram a escola secundária e eles fizeram um trabalho maravilhoso. Com o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), o professor se torna capaz de produzir o próprio desenvolvimento.
ISTOÉ – Para se tornar um mediador é preciso voltar a ser aluno?
Feuerstein – Somos sempre aprendizes. Ao professor falta a técnica certa. Ao oferecer a teoria da aprendizagem mediada lhe ensinamos como deixar uma criança pronta para aprender a matéria, como torná-la alerta e interessada e fazê-la ir além do que aprendeu.
ISTOÉ – Um breve curso intensivo, como o do projeto piloto em Salvador, é suficiente para dar resultados?
Feuerstein – Os coordenadores pedagógicos tiveram 80 horas de treinamento. Aprenderam que as crianças podem ser modificadas, que não devem ser vistas como limitadas e que não se abandona uma criança com dificuldades. Para aplicar o PEI, os mediadores têm que passar por 230 horas de curso. As crianças não foram submetidas ao PEI. Elas passaram por um diagnóstico do potencial de aprendizagem e de mudança. Sentem que mudaram, mas essa transformação não é permanente. Criamos apenas uma amostra. Cabe aos professores desenvolver o sentimento das crianças de que são capazes de mudar. Depois que aprendem o quanto podem aprender, damo-lhes o PEI.
ISTOÉ – Qual é a dificuldade do professor em ensinar?
Feuerstein – Ele não entende como funciona a mente da criança. O professor aprende a matéria, mas não a descobrir o que se passa com a criança, os processos mentais que estão falhando. Temos que interpretar os erros como uma língua. O método capacita o professor a decifrar o que está acontecendo na cabeça da criança, se há ansiedade, impulsividade, se o problema está na elaboração.
ISTOÉ – Observar cada criança é difícil numa classe grande. Como o método funciona em grande escala?
Feuerstein – O PEI permite elaborar os problemas em grupo. Os exercícios estão estruturados de maneira a evidenciá-los e as crianças são orientadas pelo mediador. O programa aponta dificuldades específicas. A atividade em grupo permite a interação. Cada criança fala de suas dificuldades e experiências, isso cria uma atmosfera de enriquecimento. A experiência de um serve ao outro.
ISTOÉ – Seu método enfatiza a recuperação da auto-estima. É preciso cuidar do emocional?
Feuerstein – É fundamental. Em cada comportamento, temos os dois lados de uma moeda, o cognitivo e o emocional. Acrescento que essa moeda é transparente, se você olha do lado da cognição, vê o reflexo do emocional e vice-versa. Ensinamos as crianças a serem capazes e hábeis, damos o sentimento de competência e desenvolvemos a necessidade de compartilhar experiências.
ISTOÉ – Que progressos obteve com crianças portadoras de deficiências?
Feuerstein – Tratamos, em Israel, de 250 com síndrome de Down e boa parte pôde ir à escola regular. Temos autistas e meninos com lesões cerebrais. O trabalho só funciona há nove meses, mas muitas dessas crianças nem falavam e algumas já falam e lêem. Alex, por exemplo, é um garoto que tinha a parte esquerda do cérebro atrofiada devido a um problema vascular. Ele não falava até os nove anos, aí foi retirada essa parte do cérebro e conseguiu falar, mas não conseguiu aprender a ler e escrever. Aos 16, ele nos foi trazido e ninguém acreditava que fosse capaz. Hoje, três anos depois, está em treinamento para professor de Enriquecimento Instrumental.
ISTOÉ – O sr. ainda crê que não existe determinismo genético.
Feuerstein – Há 40 anos eu rezei pedindo para poder mudar o cérebro. E esperei. Agora, sei que isso é possível. Hoje sabe-se que as atividades que impomos ao nosso cérebro o transformam.
ISTOÉ – A criança bem-nascida tem mais chances do que a subnutrida?
Feuerstein – As condições alimentares afetam as crianças, mas os efeitos nem sempre são eternos. O ser humano tem capacidade de reversão. Há pessoas que nascem com má herança, mas superam as limitações. Trabalhamos com um grupo de crianças da Etiópia que cresceu sem nenhum tipo de estímulo, sem escolas, canetas, livros ou televisão. E elas aprendem, às vezes, mais rapidamente que os bem-nascidos porque estão habituadas a lutar pela sobrevivência.
ISTOÉ – Há escolas e pais ocupados em formar gênios com programas de estímulos desde a fase de bebê. O que isso pode causar?
Feuerstein – Isso é idiotice, é terrível. A criança que está apenas exposta a estímulos não será beneficiada se não houver alguém que agregue conhecimento a isso, um mediador. Quando a criança olha para uma lâmpada e chamamos a sua atenção para a forma, a cor, estamos mediando. Caso contrário, ela vai olhar sem entender nada.
ISTOÉ – Uma mãe sem instrução pode ser uma boa mediadora?
Feuerstein – Maravilhosa. Minha mãe foi boa sem ler minha teoria. A interação da mãe com o bebê, seu rosto, sua expressão, seu modo de acalentá-lo, a todo momento ela está passando informações. Os pais não sabem mais quais são os seus papéis. Temos que mostrar que eles fazem a diferença.
ISTOÉ – Tem havido muitos episódios de violência infantil e adolescente. O que está errado?
Feuerstein – Eu estava nos EUA quando aconteceu aquela tragédia de Denver, Colorado. O grande problema é que não houve quem lhes passasse valores. Faltou-lhes um bom mediador. Na televisão, temos as cenas de violência em que se faz mal a alguém e todos riem. O que isso significa? Não sabemos que isso é causar dor ao outro? Mas o problema não é só a violência. Os jovens vivem num mundo sem passado, não têm história, e sem futuro, não há projeções de vida. Eles não têm horizontes, vivem pelo aqui e agora.
ISTOÉ – Qual foi o primeiro estímulo para o seu trabalho?
Feuerstein – Nem mesmo o meu psicanalista conseguiu descobrir isso. Mas até onde consigo lembrar, eu tinha sete anos quando comecei a ensinar. Eu comecei a ler aos três anos e aprendi em três línguas, em iídiche, língua da minha mãe, em hebraico, a do meu pai, e em romeno, do meu país. Quando eu tinha oito, me mandaram um garoto de 15 que não conseguia aprender a ler e eu consegui, na Romênia, ensiná-lo a ler em hebraico. Como? Ensinei-o a ler uma prece. E aí não parei mais. Quando adulto, estive num campo de concentração e depois trabalhei com crianças sobreviventes do Holocausto. Elas tiveram que aprender por que viver e o próprio aprendizado era uma razão. Estávamos numa escola agrícola e as crianças acordavam às 4 horas para ordenhar as vacas. Quando voltavam, vinham ao meu quarto para estudar Filosofia. Até hoje lembramos o que aprendemos nesses momentos e já não somos mais crianças
A mudança já começou
A Bahia tem 17,7% de evasão escolar e 14,2% de repetência e apresenta um descompasso notável entre a idade da criança e a série escolar. Dos 3,5 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental de primeira a oitava séries, 1,1 milhão tem mais de 14 anos e, desse, cerca de 110 mil estão na primeira série. Quase 35% dos 492 mil alunos do ensino médio também têm acima da idade prevista para seu grau, sem contar que 72% dos professores públicos possuem apenas o segundo grau. Para reverter esse quadro, nos primeiros cinco anos o governo pretende envolver no projeto de aplicação do método de Feuerstein cerca de 450 mil alunos do ensino médio e 50 mil professores, 2,5 mil dos quais agirão como multiplicadores. Os alunos serão submetidos durante o primeiro e o segundo ano a 210 horas do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) e os professores, em especial os de Matemática e os de Português, dividirão sua carga horária entre as aulas do currículo e a função de mediadores.
Na segunda etapa, pretende-se beneficiar 300 mil alunos por ano, alcançando ao fim do projeto um total de quase dois milhões de crianças e adolescentes. Nem mesmo Feuerstein, que mantém o Centro de Desenvolvimento de Aprendizagem em Israel, viu uma iniciativa desse porte. Com a assessoria das professoras Rosa Maria Assis, que dirige um centro habilitado para ensinar o método em Belo Horizonte (MG), e Ruth Kaufman, que trabalha há 17 anos com Feuerstein, foi desenvolvido em Salvador um projeto piloto com 20 estudantes e 23 coordenadores pedagógicos. Os alunos foram somente submetidos ao processo de diagnóstico e mostraram, num encontro com Feuerstein, que a simples apresentação das bases do método já traz benefícios. Tiago Sacerdote, 17 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio e sempre teve dificuldades em Matemática. Repetiu a quinta e a sexta séries e nas outras passou raspando. Submetido ao diagnóstico do projeto piloto, descobriu que sua dificuldade não era um destino. "Eu achava que nunca iria aprender. Tinha pavor de Matemática e na prova dava branco. Já fiz uma prova e consegui responder a quase todas as questões", conta animado.
Fonte: Revista ISTO É - 12/05/1999
A Bahia deu um passo decisivo para isso. Na terça-feira 27, durante uma conferência para cerca de dois mil educadores em Salvador, Feuerstein assinou com a Fundação Luís Eduardo Magalhães um acordo para utilização e aplicação de seu método por dez anos. "Criaremos know-how e mudaremos toda a rede, resgatando o orgulho da escola pública", disse o secretário. Na segunda visita ao Brasil, Feuerstein, 80 anos, também mostrava entusiasmo. "É a primeira vez que um governo entende que a inteligência é um direito e assume o dever de proporcionar condições para desenvolvê-la", comemorou o ex-discípulo de Jean Piaget com a vivacidade de menino. Iniciado com crianças sobreviventes do Holocausto, seu método tem sido aplicado em mais de 40 países e se concentra na figura do mediador, aquele que enriquece a realidade imediata com novas informações e significados.
Em Salvador, Feuerstein falou a ISTOÉ:
ISTOÉ – Há outro projeto tão amplo quanto este da Bahia?
Reuven Feuerstein – Nos Estados Unidos talvez tenhamos duas mil classes, em Israel treinamos a cada ano 1.500 professores de vários países. Mas o interessante neste projeto não é o tamanho, e sim a orientação para a qualidade e a transformação do sistema educacional. Não se trata da iniciativa de uma escola ou de um grupo, mas de uma rede de ensino. É ambicioso, não na execução, mas na intenção. O processo é longo, mas vamos criar uma atmosfera escolar que dê a cada criança uma forma específica de desenvolvimento. Também haverá em Salvador um centro de treinamento do método.
ISTOÉ – No interior, temos professores com pouca formação. Como aparelhar esses profissionais?
Feuerstein – Quando comecei a preparar o programa, alguns supervisores queriam escolher para mim os melhores professores. Eu disse: "Não, muito obrigado. Mandem-me os professores que mais precisam de mim." Com treinamento apropriado, professores sem especialização ou formação universitária podem ajudar. Temos que dar a eles poder. Isso exige investimento, mas o retorno é grande. Trabalhamos com professores da África do Sul que nem sequer terminaram a escola secundária e eles fizeram um trabalho maravilhoso. Com o Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI), o professor se torna capaz de produzir o próprio desenvolvimento.
ISTOÉ – Para se tornar um mediador é preciso voltar a ser aluno?
Feuerstein – Somos sempre aprendizes. Ao professor falta a técnica certa. Ao oferecer a teoria da aprendizagem mediada lhe ensinamos como deixar uma criança pronta para aprender a matéria, como torná-la alerta e interessada e fazê-la ir além do que aprendeu.
ISTOÉ – Um breve curso intensivo, como o do projeto piloto em Salvador, é suficiente para dar resultados?
Feuerstein – Os coordenadores pedagógicos tiveram 80 horas de treinamento. Aprenderam que as crianças podem ser modificadas, que não devem ser vistas como limitadas e que não se abandona uma criança com dificuldades. Para aplicar o PEI, os mediadores têm que passar por 230 horas de curso. As crianças não foram submetidas ao PEI. Elas passaram por um diagnóstico do potencial de aprendizagem e de mudança. Sentem que mudaram, mas essa transformação não é permanente. Criamos apenas uma amostra. Cabe aos professores desenvolver o sentimento das crianças de que são capazes de mudar. Depois que aprendem o quanto podem aprender, damo-lhes o PEI.
ISTOÉ – Qual é a dificuldade do professor em ensinar?
Feuerstein – Ele não entende como funciona a mente da criança. O professor aprende a matéria, mas não a descobrir o que se passa com a criança, os processos mentais que estão falhando. Temos que interpretar os erros como uma língua. O método capacita o professor a decifrar o que está acontecendo na cabeça da criança, se há ansiedade, impulsividade, se o problema está na elaboração.
ISTOÉ – Observar cada criança é difícil numa classe grande. Como o método funciona em grande escala?
Feuerstein – O PEI permite elaborar os problemas em grupo. Os exercícios estão estruturados de maneira a evidenciá-los e as crianças são orientadas pelo mediador. O programa aponta dificuldades específicas. A atividade em grupo permite a interação. Cada criança fala de suas dificuldades e experiências, isso cria uma atmosfera de enriquecimento. A experiência de um serve ao outro.
ISTOÉ – Seu método enfatiza a recuperação da auto-estima. É preciso cuidar do emocional?
Feuerstein – É fundamental. Em cada comportamento, temos os dois lados de uma moeda, o cognitivo e o emocional. Acrescento que essa moeda é transparente, se você olha do lado da cognição, vê o reflexo do emocional e vice-versa. Ensinamos as crianças a serem capazes e hábeis, damos o sentimento de competência e desenvolvemos a necessidade de compartilhar experiências.
ISTOÉ – Que progressos obteve com crianças portadoras de deficiências?
Feuerstein – Tratamos, em Israel, de 250 com síndrome de Down e boa parte pôde ir à escola regular. Temos autistas e meninos com lesões cerebrais. O trabalho só funciona há nove meses, mas muitas dessas crianças nem falavam e algumas já falam e lêem. Alex, por exemplo, é um garoto que tinha a parte esquerda do cérebro atrofiada devido a um problema vascular. Ele não falava até os nove anos, aí foi retirada essa parte do cérebro e conseguiu falar, mas não conseguiu aprender a ler e escrever. Aos 16, ele nos foi trazido e ninguém acreditava que fosse capaz. Hoje, três anos depois, está em treinamento para professor de Enriquecimento Instrumental.
ISTOÉ – O sr. ainda crê que não existe determinismo genético.
Feuerstein – Há 40 anos eu rezei pedindo para poder mudar o cérebro. E esperei. Agora, sei que isso é possível. Hoje sabe-se que as atividades que impomos ao nosso cérebro o transformam.
ISTOÉ – A criança bem-nascida tem mais chances do que a subnutrida?
Feuerstein – As condições alimentares afetam as crianças, mas os efeitos nem sempre são eternos. O ser humano tem capacidade de reversão. Há pessoas que nascem com má herança, mas superam as limitações. Trabalhamos com um grupo de crianças da Etiópia que cresceu sem nenhum tipo de estímulo, sem escolas, canetas, livros ou televisão. E elas aprendem, às vezes, mais rapidamente que os bem-nascidos porque estão habituadas a lutar pela sobrevivência.
ISTOÉ – Há escolas e pais ocupados em formar gênios com programas de estímulos desde a fase de bebê. O que isso pode causar?
Feuerstein – Isso é idiotice, é terrível. A criança que está apenas exposta a estímulos não será beneficiada se não houver alguém que agregue conhecimento a isso, um mediador. Quando a criança olha para uma lâmpada e chamamos a sua atenção para a forma, a cor, estamos mediando. Caso contrário, ela vai olhar sem entender nada.
ISTOÉ – Uma mãe sem instrução pode ser uma boa mediadora?
Feuerstein – Maravilhosa. Minha mãe foi boa sem ler minha teoria. A interação da mãe com o bebê, seu rosto, sua expressão, seu modo de acalentá-lo, a todo momento ela está passando informações. Os pais não sabem mais quais são os seus papéis. Temos que mostrar que eles fazem a diferença.
ISTOÉ – Tem havido muitos episódios de violência infantil e adolescente. O que está errado?
Feuerstein – Eu estava nos EUA quando aconteceu aquela tragédia de Denver, Colorado. O grande problema é que não houve quem lhes passasse valores. Faltou-lhes um bom mediador. Na televisão, temos as cenas de violência em que se faz mal a alguém e todos riem. O que isso significa? Não sabemos que isso é causar dor ao outro? Mas o problema não é só a violência. Os jovens vivem num mundo sem passado, não têm história, e sem futuro, não há projeções de vida. Eles não têm horizontes, vivem pelo aqui e agora.
ISTOÉ – Qual foi o primeiro estímulo para o seu trabalho?
Feuerstein – Nem mesmo o meu psicanalista conseguiu descobrir isso. Mas até onde consigo lembrar, eu tinha sete anos quando comecei a ensinar. Eu comecei a ler aos três anos e aprendi em três línguas, em iídiche, língua da minha mãe, em hebraico, a do meu pai, e em romeno, do meu país. Quando eu tinha oito, me mandaram um garoto de 15 que não conseguia aprender a ler e eu consegui, na Romênia, ensiná-lo a ler em hebraico. Como? Ensinei-o a ler uma prece. E aí não parei mais. Quando adulto, estive num campo de concentração e depois trabalhei com crianças sobreviventes do Holocausto. Elas tiveram que aprender por que viver e o próprio aprendizado era uma razão. Estávamos numa escola agrícola e as crianças acordavam às 4 horas para ordenhar as vacas. Quando voltavam, vinham ao meu quarto para estudar Filosofia. Até hoje lembramos o que aprendemos nesses momentos e já não somos mais crianças
A mudança já começou
A Bahia tem 17,7% de evasão escolar e 14,2% de repetência e apresenta um descompasso notável entre a idade da criança e a série escolar. Dos 3,5 milhões de alunos matriculados no ensino fundamental de primeira a oitava séries, 1,1 milhão tem mais de 14 anos e, desse, cerca de 110 mil estão na primeira série. Quase 35% dos 492 mil alunos do ensino médio também têm acima da idade prevista para seu grau, sem contar que 72% dos professores públicos possuem apenas o segundo grau. Para reverter esse quadro, nos primeiros cinco anos o governo pretende envolver no projeto de aplicação do método de Feuerstein cerca de 450 mil alunos do ensino médio e 50 mil professores, 2,5 mil dos quais agirão como multiplicadores. Os alunos serão submetidos durante o primeiro e o segundo ano a 210 horas do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) e os professores, em especial os de Matemática e os de Português, dividirão sua carga horária entre as aulas do currículo e a função de mediadores.
Na segunda etapa, pretende-se beneficiar 300 mil alunos por ano, alcançando ao fim do projeto um total de quase dois milhões de crianças e adolescentes. Nem mesmo Feuerstein, que mantém o Centro de Desenvolvimento de Aprendizagem em Israel, viu uma iniciativa desse porte. Com a assessoria das professoras Rosa Maria Assis, que dirige um centro habilitado para ensinar o método em Belo Horizonte (MG), e Ruth Kaufman, que trabalha há 17 anos com Feuerstein, foi desenvolvido em Salvador um projeto piloto com 20 estudantes e 23 coordenadores pedagógicos. Os alunos foram somente submetidos ao processo de diagnóstico e mostraram, num encontro com Feuerstein, que a simples apresentação das bases do método já traz benefícios. Tiago Sacerdote, 17 anos, cursa o primeiro ano do ensino médio e sempre teve dificuldades em Matemática. Repetiu a quinta e a sexta séries e nas outras passou raspando. Submetido ao diagnóstico do projeto piloto, descobriu que sua dificuldade não era um destino. "Eu achava que nunca iria aprender. Tinha pavor de Matemática e na prova dava branco. Já fiz uma prova e consegui responder a quase todas as questões", conta animado.
Fonte: Revista ISTO É - 12/05/1999
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